Felicidade Clandestina

Felicidade Clandestina

Veja a análise do livro Felicidade Clandestina

A obra de Clarice Lispector é uma das dez de leitura obrigatória para a prova da Federal deste ano

21/07/2010 | 16:16 | Gazeta do Povo

Confira a análise de Wanda Camargo, Presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), para a obra de Clarice Lispector. Felicidade Clandestina é uma das dez leituras obrigatórias para a prova de Literatura da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O conceito de crueldade, quando aplicado a uma criança, sempre choca e provoca mal estar. É como se julgássemos impossível que alguém muito jovem estivesse corrompido e apresentasse comportamento iníquo.

 

Crianças trazem sempre aos nossos olhos a imagem da inocência, da credulidade, e imaginá-las sendo maldosas fere profundamente nossa crença no ser humano, no mundo e na racionalidade.

Com parte dos contos rememorando sua meninice em Recife, a leitura de Felicidade Clandestina, no livro homônimo de Clarice Lispector, nos fere um pouco, ao mesmo tempo em que nos obriga a rever conceitos e expectativas sobre a infância. Clarice mostra-se hábil artesã, tece um enredo que delicia ao mesmo tempo em que machuca: a história da menina pobre, que não pode comprar livros, e sua completa submissão à impiedade da outra criança, que se compraz com seu desejo expresso de ler um determinado livro, comove e revolta.

A paixão revelada, e por isso mesmo escravizadora e humilhante, já foi vivida por todos em algum momento da vida. O sentimento de estar disponível para outrem, sujeitado ao seu poder, e, principalmente, o fato de ser exatamente uma criança exercendo tal poder sobre outra, com certeza nos remete à infância, a alguns momentos da vida em que cada um de nós sentiu e sofreu a situação de um lado, ou, o que até mesmo pode ser pior, de outro.

Neste mesmo livro, outro dos contos, O ovo e a galinha, descreve um fato verdadeiro, ocorrido na maturidade de Clarice: a morte, dez anos antes, numa perseguição policial, do bandido Mineirinho. Personagem freqüente das páginas criminais dos jornais da época, este marginal, misto de meliante e herói, assassino confesso, porém identificado com o combate à opressão, numa época em que o Brasil enfrentava forte ditadura, desafia as autoridades e adquire áurea de vanguarda revolucionária, principalmente em sua morte, quando avisa que “ali morre um homem”.

É visível o quanto este fato marcou a autora, o conto é denso e desdobra-se sobre si mesmo, um marco na literatura brasileira.

Ela mesma tendo sido menina pobre, exposta às agruras da vida, Clarice Lispector fala intensamente de si mesma quando publica Felicidade Clandestina em 1971, e ao longo de todo o livro nos surpreende sempre, vendo sob outra ótica os fatos simples do cotidiano; o inesperado sempre de tocaia nos atos e gestos mais simples, a vida mudando ou se revelando em pequenos instantes, nas pequenas misérias do dia-a-dia, nas quais a felicidade é sempre possível, mas apenas de forma clandestina.