Anjo Negro

Anjo Negro

  ANJO NEGRO
NELSON RODRIGUES

  O elemento que direciona todas as ações humanas nesta obra de Nelson Rodrigues é a sexualidade, apresentada sempre de forma corrompida. O sexo está o tempo todo relacionado à violência e ao desejo proibido.

•Parece haver uma preocupação do autor em perturbar o leitor, utilizando o choque para trazer à tona tudo o que está velado na sociedade. Trata-se de uma tragédia com um desfecho inesperado: embora tudo induza ao fato de que Virgínia será morta pelo marido, a história termina com a morte da filha de Virgínia, tramada pela própria mãe com a ajuda de Ismael.
Escrita em 1946, Anjo Negro rompe com características até então comuns ao teatro brasileiro, como a unidade temporal (história transcorrida ao logo de apenas um dia).
Gênero
Literatura Dramática
Narrador
Na literatura dramática não há um narrador, pois a história é contada em forma de diálogos.
A peça é apresentada em três atos. Em sua primeira encenação o cenário apresentou-se sem nenhum caráter realista: um pequeno caixão de seda branca ocupava o andar térreo da casa onde dez senhoras pretas se postaram em semicírculo e formaram um coro, como no teatro grego. No segundo andar, duas camas, uma delas quebrada, ajudavam a compor o cenário. No primeiro andar, Ismael, o negro que representa o anjo, vestia um terno branco, engomadíssimo, e calçava sapatos de verniz. No andar de cima, Virgínia, sua esposa, branca, trajava luto. “A casa não tem teto, para que a noite possa entrar e possuir os moradores. Ao fundo, grandes muros que crescem à medida que aumenta a solidão do negro” (p.125).
•O espaço

      Consideradamente, Anjo Negro é, pois, um espaço marcadamente diferenciado. A entrada de pessoas no lar é completamente restrita e coordenada pelo dono, o negro, o anjo negro, Ismael. Brancos não podiam se aproximar. Na trama de Anjo Negro, a violência, nas suas mais diversas formas, das mais variadas naturezas, em constantes situações. As personagens são violentas entre si, sofrem a violência, vivem-na. Há vinganças recíprocas e intermináveis. Há ódio dissimulado no amor. Amor dissimulado no ódio. Ou somente um desejo, que gera violência. A história de Anjo Negro apresenta-se, assim, como uma rede truncada de muita violência. Apesar de ser formalmente bem mais semelhante à tragédia clássica, é difícil organizar Anjo Negro dentro dos padrões trágicos. Ismael também é movido por amor, e esse exagero de amor o faz incorrer em erros ainda mais graves, como o assassinato da filha; mas seu maior erro é o preconceito com sua cor.
 
Se tratar-se Virgínia como heroína, teríamos uma estrutura semelhante à de seu marido; seu erro seria o mesmo, é o preconceito da cor, mas depois do casamento, ele se torna repugnante a ela que, por ódio, mata seus filhos. Mas eles não cometem seus erros sem ter consciência de que os estão cometendo, é eticamente inadequado discriminar alguém por sua cor e eles sabem disso; contudo é difícil considerá-los personagens maus, por que a sociedade em que estão inseridos é fortemente racista o que quase os impele para o erro.
 
Melhor momento da obra

Decidido a "se tornar branco", Ismael executa, com êxito e sem remorso, sua estratégia. Com formação superior, era um "médico de mão cheia, de muita competência, o melhor de todos"; casou-se com uma mulher branca e muita linda e renegou a mãe negra, causadora de sua desgraça. Vestia-se sempre de branco, impecável. Quando a peça começa, Virgínia e Ismael estão casados, tiveram três filhos negros, mas todos foram mortos por ela. Tendo sido violentada por Ismael, obrigada a se casar com ele e encarcerada dentro de casa, Virgínia aguarda o momento da vingança definitiva, gerar um filho branco. Enquanto transcorre o velório do terceiro filho, chega à casa Elias, o irmão de criação de Ismael, branco e cego, trazendo a maldição da mãe negra. Seduzido por Virgínia, Elias é em seguida morto por Ismael.
Ela engravida e dá a luz uma menina branca. Ismael, durante meses, se debruça sobre o berço para que a menina não esqueça sua cor e, completando seu plano, um dia pinga ácido nos olhos dela, cegando-a. Assim, Ana Maria jamais saberia que o pai é negro. Pai e filha desenvolvem uma paixão desmedida. Ela acredita que o pai é branco e que todos os outros homens são negros e perversos.
Dezessete anos depois, Ismael constrói um mausoléu para viver com a filha, onde nenhum desejo de branco pudesse alcançá-la, mas Virgínia enlouquece vendo-se substituída pela filha e consegue convencer Ismael a abandonar Ana Maria sozinha no túmulo de vidro.
Juntos continuam, Virgínia e Ismael, a gerar filhos negros que serão mortos.O negro também cega, em bebê, Ana Maria, filha do único relacionamento entre Virginia e Elias, para que ela, impossibilitada de comprovar a “verdade”, acredite ser Ismael o único branco do mundo. Com isso, fomenta na enteada o amor e a admiração não alcançados com a esposa. Os três infanticídios, os dois cegamentos, o assassinato, a impressão de Virginia de estar sendo violentada ao ter relações sexuais com o marido, além do confinamento de Ana Maria num mausoléu – engendrado por Virginia e Ismael ao final da peça.
 
Personagens principais

Ismael: Médico. Homem negro, inescrupuloso e violento. Profundamente recalcado em função de sua cor, diz à filha (Ana Maria) que é branco e a cega para que não perceba a realidade. Da mesma forma, há indícios de que tenha cegado o irmão de criação, branco, por uma ardilosa troca de remédios. Ismael ama o branco, mas com violência, o que fica claro pelo isolamento a que submete a mulher para que ninguém a veja.
Virgínia:
Mulher de Ismael, branca, vítima da violência sexual do marido. Logo no início da trama, ela deseja o noivo da prima com quem é criada e se deixa possuir por ele. Ao descobrir a traição, a prima se enforca e a tia de Virgínia, para se vingar pela morte da filha, promove o estupro da sobrinha por Ismael. Virgínia desenvolve a arte da sobrevivência por meio da sexualidade, que é o que vai salvá-la no fim da trama.
Ana Maria: Filha branca de Virgínia, fruto de sua relação extraconjugal com Elias, irmão de criação de Ismael. Inexpressiva na obra, aparece apenas no terceiro ato. É enganada e abusada sexualmente por Ismael.
Elias: Irmão de criação de Ismael, branco. Tudo indica que foi cegado pelo irmão.
Tia (de Virgínia): Mulher vingativa, cruel e superprotetora das filhas.
Tempo
Não fica claro em que momento transcorre a história. Do segundo para no terceiro ato, há um hiato de aproximadamente 15 anos.

Espaço
Não há nenhuma referência à paisagem externa. Toda a história se passa no quintal, na frente e dentro da casa de Ismael.